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27/01/2014 - Doação de órgãos: uma ação que garante vida

 As dúvidas e mitos que pairam sobre a doação de órgãos no Brasil impedem o salvamento de milhares de vidas. O neurocirurgião Rodrigo Mendonça, coordenador do Serviço de Neurocirurgia e Neurologia da Santa Casa de Araçatuba, responsável pelo diagnóstico de morte encefálica para doação de órgãos, esclarece detalhes sobre o procedimento médico utilizado nesses caos – quando a vítima torna-se um doador em potencial. 

O que é morte encefálica, ou cerebral, e como ela é diagnosticada?

A morte cerebral é a perda irreversível e total das funções do encéfalo, que compreende o cérebro e o tronco cerebral. Ela é diagnosticada por meio de uma série de exames neurológicos no paciente, testando-se as funções do cérebro e do tronco cerebral. Esses exames devem ser feitos por um médico neurologista ou neurocirurgião, e repetidos seis horas após por outro médico, de preferência um médico intensivista. Também é necessário que seja certificado que não há nenhuma medicação em uso que possa mascarar a avaliação do paciente. Após as duas etapas de exames clínicos, que incluem um teste da apneia no qual o paciente é desconectado do aparelho de respiração e aguarda-se um período para ver se ele apresenta expiração espontânea, é feito um exame confirmatório, que consiste em uma arteriografia cerebral, uma cintilografia cerebral ou um eletroencefalograma. Um desses exames vai confirmar a ausência total de atividade ou de perfusão cerebral.

Em quais circunstâncias a morte cerebral ocorre?

Trauma de crânio; AVC (Acidente Vascular Cerebral); tumores cerebrais; doenças metabólicas; doenças hepáticas graves, que pode levar o paciente a encefalopatia hepática; mas, sem sombra de dúvida, a principal causa é o traumatismo de crânio e os derrames cerebrais.

Quando é diagnosticada a morte cerebral o paciente fica em estado vegetativo ou em coma?

Estado vegetativo é diferente de morte cerebral. Quando o paciente está em estado vegetativo ele não está com morte cerebral, ele respira sozinho, tem abertura espontânea dos olhos, sente dor. Neste caso, o paciente está vivo, mas não tem condições de se conectar com o mundo. Trata-se de uma sequela grave de uma enfermidade neurológica. Na morte cerebral ele fica em coma sem reação. A morte cerebral é a perda irreversível e total das funções do encéfalo, ou seja, o paciente está sobrevivendo apenas com aparelhos, e sem possibilidade de recuperação.

Que tipo de tecnologia é utilizada para consolidar o diagnóstico clínico, de modo que não reste nenhum tipo de dúvida sobre a morte cerebral do paciente?

Os exames clínicos para confirmar a morte encefálica são: a arteriografia cerebral, que vai mostrar a ausência de fluxo sanguíneo para o cérebro; a cintilografia cerebral que vai mostrar a ausência de captação do radiofarmaco do cérebro, indicando a ausência de perfusão e o eletroencefalograma, que vai mostrar a ausência total de atividade elétrica no cérebro. Um desses três exames em conjunto com o exame clínico já é suficiente, conforme a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), para se fazer o diagnóstico de morte cerebral.

Como é feita a retirada dos órgãos? O doador é anestesiado? Há risco de sofrimento do paciente?

Não. Ele não sente mais nada. O paciente que está em morte cerebral não sente mais dor. Ele é levado para o centro cirúrgico, mantido em ventilação mecânica e com medicações para manter a pressão arterial estável, enquanto é realizada a retirada dos órgãos.

Em que fase destes procedimentos a família é comunicada?
 
Após o segundo teste clínico de morte encefálica, antes de fazer o teste confirmatório, a família é comunicada pelo psicólogo do hospital e o médico responsável pela central de transplante. Se ela autoriza a retirada dos órgãos, é feito o exame confirmatório para a doação. A grande maioria das famílias autoriza a doação. A abordagem da família deve ser feita por um médico diferente da equipe está tratando o paciente. Em Araçatuba, é acionada a central de transplantes do município, coordenada pelo doutor Antônio César de Azevedo Pedro. Ele aborda a família, acompanhado de um psicólogo. Todos os casos que evoluem para morte cerebral passam por um protocolo de exames complementares depois que a família autoriza a doação.

Hierarquicamente, qual pessoal da família detém o poder de autorizar ou não a retirada de órgãos?

Os familiares de primeiro grau - cônjuge, pai, mãe, filhos. Se não tiver nenhum deles a responsabilidade é dos familiares de segundo grau - os sobrinhos, os tios.

Se o doador manifestou este desejo através de informação na cédula de identidade e a família não concordar com a retirada, qual das duas vontades é respeitada?

Vale a vontade da família. Se o paciente colocou doador na carteira de identidade e a família não autorizou, não é feito.

Qual é a realidade sobre a doação e transplante de órgãos em Araçatuba?

Existe uma central de transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba, mas não um centro de transplantes na cidade. Nós não temos o credenciamento para realizar transplantes no hospital, portanto, muitos pacientes que seriam elegíveis para entrar no protocolo de morte cerebral acabam não o sendo porque nós já prevemos que aquele paciente não terá condições de ficar dois, três ou quatro dias, aguardando os exames que são feitos fora da cidade, para somente depois ter os órgãos retirados. Alguns pacientes jovens, com trauma de crânio isolado, sem lesões em outros órgãos, resistem mais tempo à espera da realização do protocolo. Se um dia o hospital receber credenciamento para realizar transplantes, com certeza, o número de doações será muito grande. Por ser um hospital de referência regional recebemos muitos pacientes com doenças cerebrais, e uma porcentagem deles, invariavelmente, acaba evoluindo para morte cerebral.

Onde são feitos esses exames?

Como ainda não temos estrutura para realização de transplantes, esses exames são encaminhados para São José do Rio Preto ou São Paulo. Isso é o que dificulta a doação. Às vezes, o paciente está apto para ser doador, já fez os testes de morte encefálica, já fez o exame de arteriografia cerebral, comprovando ser um quadro irreversível, a família autorizou a retirada dos órgãos, e o paciente está mantido em um respirador, com medicação para manter a pressão arterial estável, mas a demora no resultado dos exames feitos em outras cidades pode causar a perda de órgãos. No último caso que tivemos na Santa Casa de Araçatuba a amostra de sangue teve que ser levada até um posto da Polícia Rodoviária, que a levou para Rio Preto; o resultado chegou dois dias depois. No momento da retirada dos órgãos, os pulmões e o coração já não eram mais viáveis para doação. 

Em qual momento os agentes captadores de órgãos são avisados?

A central estadual é comunicada depois de avisado que a família autorizou a doação. Depois é feito contato constante entre a central de captação estadual e a equipe que está monitorando o paciente, para que eles acompanhem o estado do paciente. Neste último caso que tivemos em Araçatuba, enquanto não chegavam os exames, foi constatado que o paciente estava com alteração de pressão, alteração de saturação de oxigênio, o que fez com que o coração e os pulmões dele ficassem inviáveis para doação. A central de captação coordena com equipe irá realizar a retirada. Por exemplo, o primeiro da fila a receber o rim é de Marília, então a equipe de Marília que virá retirar. Há uma lista única no Estado com os nomes dos pacientes que necessitam de doação.


O que falta para que Araçatuba tenha um centro de captação de órgãos?

Além de um centro de captação, uma estrutura para realização de transplantes. Teria que organizar uma estrutura física, laboratorial, de recursos humanos, uma equipe de captação e realização de transplantes, para que pudesse tornar o protocolo de morte encefálica uma rotina. Ainda não é uma rotina. O índice de doações é baixo considerado o tamanho do hospital e da população que atendemos, e não temos uma estatística fiel.


Quais são os limites de tempo para retirada, remoção e transplante de órgãos como córneas, fígado, coração, rins?

Após a retirada, os pulmões e coração suportam quatro a seis horas, o fígado 12 a 24 horas, os rins 24 a 48 horas e as córneas até sete dias.

O senhor é um doador de órgãos? Por quê? 

Sim. Não vivencio diretamente a rotina de transplantes porque sou neurocirurgião, mas como trabalho na área da saúde, compartilho o sofrimento das pessoas que estão na fila aguardando sua vez, aguardando por um rim, um fígado. Posso ter um caso na família que necessite de um transplante; então, me imagino no lugar dessa pessoa. Por isso, quando eu morrer, meus órgãos vão ajudar os outros. Na minha carteira de identidade está escrito que sou doador e minha família também já foi avisada.

 

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