As experiências brasileiras para combater a falta de profissionais da área da saúde e garantir melhor qualificação para aqueles que deixam a universidade ou aceitam trabalhar em áreas distantes do país serão conhecidas por alguns dos maiores especialistas no tema no mundo. Nesta quarta-feira (26), os integrantes da Aliança Global para a Força de Trabalho em Saúde (Global Health Workforce Alliance - GHWA) vão a Belo Horizonte ver como funcionam na prática propostas inovadoras. Estão previstos encontros com professores e alunos de universidades e com profissionais que atuam no Programa Saúde da Família (PSF) na capital mineira, reconhecido como um dos mais eficientes do país.
Os integrantes da Aliança também conheceram mais detalhes do Telessaúde, do Pró-Saúde e do Projeto de Especialização em Atenção Básica. A curiosidade é grande, sobretudo dos representantes dos países africanos e asiáticos, onde a falta de médicos tem sido um problema na luta contra a epidemia da Aids e outras doenças. “O Brasil é um dos países que realmente nos fornece a dimensão exata do cuidado familiar, dos cuidados básicos de saúde e é um dos poucos capazes de envolver médicos, pacientes e toda a comunidade na forma como se conduz a questão da saúde. Poucos países no mundo foram capazes, até hoje, de fazer essa inclusão, em um nível de política pública da maneira como o Brasil fez. Isso o torna extremamente importante para o cenário global. Muito se fala sobre programas e projetos no âmbito dos recursos humanos em saúde, mas poucos agem como o Brasil”, elogiou a embaixadora da ONU para a Aids, Sigrun Mogedal, uma das integrantes da Aliança Global.
A visita marca a conclusão da reunião anual da Aliança Global, um organismo internacional criado pela ONU que tem como missão monitorar e apresentar propostas de solução para a crise de mão-de-obra que ameaça vários países. Levantamento da organização mostra que há carências críticas em 57 nações – o Brasil não está nesta lista. O considerado ideal é um profissional (médico/enfermeiro/parteiro) para cada grupo de mil habitantes. No geral, no nosso país, essa proporção está em 1,15.
Entretanto, apesar do Brasil ser um dos países que mais avançaram na área de investimento em capital humano na área de saúde, o país ainda apresenta discrepâncias a nível regional.
NÚMEROS NACIONAIS – O encontro teve início no último sábado (22) com a presença do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e de vários representantes do organismo, entre eles, da embaixadora Sigrun Mogedal; e do diretor-Executivo do GHWA, Mubashar Sheikh. Em sua apresentação, o ministro destacou a importância do Programa Saúde da Família (PSF) na ampliação da cobertura e como solução para a crise de mão-de-obra especializada.
“O PSF busca mostrar que não existe no mundo sistema de saúde eficiente e com custos compatíveis, sem uma atenção primária forte, como faz a Inglaterra, Portugal, França, Canadá. O Brasil está seguindo esse caminho, mas para isso é preciso dos médicos. É preciso oferecer as condições de estrutura, diagnóstico, bons salários e de um plano de carreira, para que o profissional de saúde seja estimulado”, explicou o ministro.
O secretário de Gestão do Trabalho do MS, Francisco Campos, apresentou ainda números que retratam a situação atual do Brasil e apontam desigualdade na distribuição dos recursos humanos pelas diferentes regiões. Há 455 municípios com assistência zero, ou seja, que não dispõem de nenhum tipo de assistência médica.
A região Nordeste lidera a lista, com 117 municípios, seguida da região Sul, com 116 e da região Sudeste, com 111 localidades nessa situação. O Norte aparece em quarto lugar, com 88 municípios e o Centro-Oeste em último com 23 localidades. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, que também foram disponibilizados, acrescentam que há também a falta de especialistas, como pediatra, anestesiologista, psiquiatras, neurologistas e profissionais que trabalham com neuro-cirurgia e medicina intensiva.
O levantamento é uma ferramenta de gestão, pois ajuda no diagnóstico do setor e subsidia a tomada de decisões e o desenvolvimento de projetos que têm como meta a qualificação da oferta de profissionais e o aumento da sua presença em áreas consideradas de baixa cobertura. Para Francisco Campos, uma preocupação é identificar os motivos da distorção. "Não acreditamos que o salário seja um problema fundamental. Muitos profissionais alegam que a dificuldade está no isolamento em áreas de difícil acesso. Para enfrentar isso, desenvolvemos o Telessaúde, que permite maior interação desses indivíduos com centros de aperfeiçoamento localizados nas universidades e grandes cidades". O desenvolvimento dessas ações específicas, entre outras, é conseqüência direta do trabalho realizado pela rede de Observatórios de Recursos Humanos, que o Ministério da Saúde implantou no país e monitoram a situação da mão-de-obra no país.
Situação no mundo - Atualmente, há 59,2 milhões de trabalhadores na área da saúde no mundo. Apesar dos últimos avanços tecnológicos, a expectativa de vida nos países mais pobres caiu pela metade do registrado em nações desenvolvidas e o risco de ameaças infecciosas, como a SARS, o ebola e a gripe aviária, ainda ameaça o mundo.
Como a presença dos profissionais de saúde está diretamente relacionada ao aumento da cobertura, da ampliação de cuidados primários em saúde e à melhora dos indicadores de mortalidade infantil e materna, a recomendação da OMS é de um profissional para cada grupo de mil pessoas.
A ausência desses profissionais contribui para a circulação das doenças que, devido à redução das distâncias e à circulação intensa de pessoas e mercadorias, podem causar prejuízos em escala global em pouco tempo. Um dos problemas diz respeito não apenas à falta de mão-de-obra qualificada, mas, sobretudo, à sua migração. Esse problema exige que os países criem estratégias de atração e fixação dos responsáveis pelo atendimento.
Desinteresse dos profissionais em atuarem em áreas de risco, formação reduzida de novos técnicos e evasão de profissionais de países pobres para regiões mais desenvolvidas são alguns dos desafios detectados. “Em termos gerais, o sucesso do nosso trabalho significaria a resolução da crise de saúde, para que todos, em todos os lugares, tenham acesso a um profissional de saúde qualificado e motivado”, disse Mubashar Sheikh.