Monique Bueno
Folha da Região
O número de cesáreas já supera os partos naturais em Araçatuba até mesmo na rede pública de saúde. Os números são preocupantes. Dos 8.298 partos no município nos últimos quatro anos, 5.469 foram por meio de cesarianas, o que representa 66% dos nascimentos, conforme dados do Hospital da Mulher e da Santa Casa. A porcentagem de parto por meio de cirurgia chega a ser três vezes maior do que o limite máximo de cesarianas recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Ministério da Saúde, de 20%. Dados do ministério informam que são cerca de 3 milhões de partos por ano no país, 65% deles feitos no SUS (Sistema Único de Saúde).
Araçatuba também dispara no número de cesáreas em relação ao país. Dados da pesquisa Saúde Brasil, do Ministério da Saúde, apontam que, em 2010, as cesarianas representaram 35% do total de partos realizados pelo SUS, ou seja, os partos normais ainda são maioria na rede pública brasileira. Na contramão, no mesmo ano em Araçatuba os partos por cesárea significaram o dobro do ocorrido no país, 71% do total. E em 2011, até o momento, as cesarianas correspondem a 74% dos 1.504 partos realizados, ou seja, de cada 10 nascimentos, 7 são pelo método cirúrgico.
No Hospital da Mulher, referência em partos para gestante de Araçatuba, nota-se que houve um crescimento gradativo desde 2007. Naquele ano, foram registradas 183 cesáreas, seguindo de 347 em 2008, 435 em 2009, 514 no ano passado e 537 cesarianas até novembro deste ano. A Prefeitura de Araçatuba, que administra o HM, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o aumento se deve a implicações oriundas de pré-natal e decorrências cesáreas anteriores.
Já na Santa Casa, hospital referência em gravidez de alto risco para Araçatuba e região, o número de partos por cirurgia sempre superou os normais. Há quatro anos, o Serviço de Ginecologia e Obstetrícia de Alto Risco da Santa Casa registrou 580 cesarianas. Em 2008, o número aumentou para 602, seguido de 917 em 2009. Já em 2010, os registros caíram para 774 cesarianas, no entanto, ainda foram maiores que os partos naturais, que somaram 123. Neste ano, a Santa Casa realizou 77 partos normais e 580 cesarianas, o que significa 88% da preferência pelo parto cirúrgico.
O representante credenciado da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), Joy Okasaki, que também atua como obstetra na Santa Casa, explica que as cesarianas ganham em todos os lugares. "Não teve aumento de cesáreas. É conceitual, a população da nossa região gosta de cesáreas, as pacientes praticamente obrigam os médicos a fazer esse tipo de parto porque não querem passar por complicações", explicou ele, que considera que a preferência pela cesariana é uma questão de cultura. Atualmente, uma cirurgia cesárea particular custa em média R$ 3 mil.
"A grávida opta pela cesariana porque a mãe e a avó dela já tiveram filhos por cesárea. A decisão também é do marido e dos familiares." Okasaki ressalta ainda que, pelo fato de o hospital ser referência em partos de alto risco, as cesáreas tendem a superar os partos naturais. A gravidez de alto risco é identificada na unidade de saúde onde a gestante faz o pré-natal. Essas unidades fazem o atendimento primário e, posteriormente, encaminha a paciente para a Santa Casa.
As intervenções cesáreas na Santa Casa são feitas, prioritariamente, em mulheres que apresentam hipertensão. Na opinião de Okasaki, são raros os casos de complicações por cesarianas. Na manhã de sexta-feira, a reportagem acompanhou uma cesariana na Santa Casa, realizada pelo ginecologista e obstetra Paulino Pereira Júnior. A bebê Isadora nasceu com 37 semanas, em menos de sete minutos, às 7h46.
A mãe de Isadora, a auxiliar de almoxarifado Michely Modesto Rocha, mora em Valparaíso, mas como realizou seu pré-natal com Pereira Júnior por convênio particular, foi orientada a ter a criança na Santa Casa. Michely não teve gravidez de alto risco. O parto cesárea foi assistido pelo marido da auxiliar, o técnico agrícola Rogério França Rocha, 24 anos, que se emocionou após ver o rostinho de Isadora. "É nossa primeira filha, é muita emoção", disse ele.
Desde o começo de seu pré-natal, Michely conta que já tinha preferência por cesariana por ter medo de passar pelas dores do parto. "Me disseram que a dor do parto normal é igual a de uma cólica de rim, e como eu já passei por isso, preferi evitar novamente", explicou. Para a auxiliar, a recuperação após a anestesia ocorreu de forma tranquila, sem interferências. "É uma cirurgia mais cômoda, sem dor".
100%
A pesquisa Saúde Brasil aponta ainda que o grande número de cesarianas é puxado pelo setor privado, em que cerca de 80% dos partos são cirúrgicos desde 2004. Em Araçatuba, a porcentagem de cesáreas na rede privada quase beira os 100%. Dos 635 partos realizados no Hospital da Unimed, no ano passado, apenas 6 foram pelo método natural, o significa 1,05%. Já neste ano, até o momento, foram 9 partos normais de um universo de 561 - 0,62%.
Para o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, o aumento é preocupante e os atuais patamares de cesáreas são inaceitáveis, principalmente no setor privado. Ele classifica as altas taxas como uma epidemia. Na opinião de Magalhães, o que ocorre atualmente é uma contaminação do SUS pela rede privada, pois quase 80% dos médicos estão nos dois sistemas e tudo que é feito no privado, acaba sendo realizado na rede pública.