Transcrito de :O Liberal Regional
Depois de bater recordes de captação de órgãos, a Santa Casa de Araçatuba lançou a meta de ampliar o número de córneas doadas, já a partir do próximo mês. Isso será possível porque, além de pacientes com morte cerebral confirmada, será possível fazer o procedimento também em pessoa cujo “coração não bate mais” - morte com parada cardíaca.
Para comentar a ampliação, membros da CIHT (Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes) explicam que a captação de órgãos - como o fígado, pulmão e pâncreas, por exemplo - só pode ser feita quando o cérebro para de funcionar (morte encefálica), mas o coração ainda está batendo com a ajuda de aparelhos. Ou seja, não pode haver parada cardíaca.
No entanto, no caso de tecidos, como as córneas, o processo muda um pouco. É possível captar este item importante para a visão humana no caso de morte cerebral, mas também em até seis horas após o coração do paciente parar de bater. Ou seja, neste caso, a possibilidade de retirada é mais ampla, o que deve impulsionar a quantidade retirada no hospital regional.
Dados da CIHT mostram que, de 2015 até agora, foram retiradas córneas de 18 pacientes (no total, foram captadas 36, considerando a retirada dupla em cada pessoa). Em média, é feito um procedimento do tipo por mês. Contudo, com o novo projeto, a estimativa prévia sugere que a quantidade de captações do gênero pode chegar a cinco no mesmo período.
O coordenador da CIHT, o médico Rafael Saad, conta que o protocolo não mudará. O profissional enfatiza que a opção dos familiares para a realização do procedimento continua sendo pré-requisito. Para ele, inclusive, o ato pode ajudar as famílias a lidarem melhor com a perda de um ente querido.
"A família que autoriza a doação costuma superar o luto de maneira um pouco mais fácil, pois enxerga um pedacinho da pessoa vivendo em outro lugar", diz Saad, esclarecendo que a humanização do processo é "regra de ouro" para a equipe que faz a entrevista com os familiares.
RESTRIÇÕES
Não é apenas a falta de autorização da família que impede a captação das córneas e outros órgãos. Antes do processo de convencer os parentes, a equipe investiga problemas de saúde que podem inviabilizar a doação (aids, hepatite viral aguda e causa da morte desconhecida são alguns exemplos).
Porém, se não houver contra-indicação e a família autorizar, é feita a retirada. No caso das córneas que forem captadas em Araçatuba, elas serão enviadas para o Hospital de Base de São José do Rio Preto - onde há uma Banco de Olhos -, dentro de uma caixa térmica hospitalar. O transporte do tecido será rodoviário, oferecido sem custos pela empresa Reunidas Paulista.
CONVENCIMENTO
O enfermeiro Matheus Araújo Tonon, integrante da CIHT, comenta que, durante as entrevistas com os familiares para consultar sobre a opção para captação, é comum aparecerem dúvidas que ainda se mostram "tabus" quanto ao procedimento. Uma delas é se há mudança em relação ao velório.
"Orientamos a família com todas as informações necessárias. Inclusive, tranquilizamos em relação à reconstituição do corpo, para que tenham certeza que o corpo estará íntegro no momento do velório", explica, lembrando que não há necessidade de caixão fechado em decorrência do procedimento.
Tonon passou, recentemente, por capacitação no HB de Rio Preto, uma das exigências para o projeto de captação de córneas ser estendido também para casos de mortes com "coração parado". Além dele, outros dois profissionais terão a habilitação, até o fim do ano. A estrutura do hospital para a iniciativa também contou com recursos do governo estadual.
Dados referentes ao mês de junho de 2016 indicam que as córneas registram o maior contingente de pacientes à espera de um transplante no Estado de São Paulo, com 2.990 pessoas. A necessidade deste tecido perde apenas para os rins, aguardados por 10.030 paulistas. O transplante de córneas é indicado para uma série de doenças e problemas que prejudicam a visão, de infecções a perfurações.
Hospital regional registra aumento de doadores
De 2015 até agora, a Santa Casa de Araçatuba totalizou 23 captações de órgãos de pacientes que tiveram morte encefálica - 13 no ano passado e 10 este ano, até agora. A quantidade é quase o dobro do total registrado ao longo de 13 anos, de 2002 a 2014, quando 13 procedimentos foram feitos. O avanço tem relação com a criação da CIHT (Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes), em 2015.
Ainda, no período de 2015 e 2016, rins foram os órgãos com mais retiradas no hospital regional, 46, no total, seguido de 19 fígados, 18 pares de córneas, 4 corações e 2 pâncreas. A estimativa é que mais de cem pacientes tenham sido beneficiados graças a estes 23 doadores.
A rejeição à doação de órgãos é de, em média, 20% na Santa Casa de Araçatuba, valor abaixo do País, onde a rejeição atinge níveis de 44%. A equipe local explica que há caso de famílias que até concordam com o transplante, mas não o permite porque, em vida, a pessoa se manifestou contrária.
Os dados foram informados em referência ao Setembro Verde, mês utilizado pelo Ministério da Saúde para ampliação das campanhas em favor da doação de órgãos no Brasil.